Enquanto o tempo for.
Quando encontrei esse moço, ele reclamava de não ter um coração. Sorri. Sempre sorrio em primeiros diálogos, uma maneira de contrastar minha mudez e fazer com que qualquer fresta distraída do céu da minha boca seja reflexo de um afago tímido. Era um fevereiro e eu ainda estava impregnada pelo infinito do mar em meus olhos castanhos. Lembrei de tentar fotografar aquilo tudo, mas mesmo a câmera ficou encabulada com o que sua lente não sabia revelar. Tudo tão, tão azul.
Caminhamos lado a lado e tomamos o mesmo trem. Alguém que observasse diria estarmos compondo nosso futuro relicário, guardando em cada piscar de olhos um pedaço da eternidade que viria. Os cílios emolduravam em nós firmes todas as certezas duvidosas. Nos guardávamos em, sem nem ao menos sabermos. Primeiras impressões, enquanto perdíamos um vocabulário inteiro para dar lugar ao silêncio que sintonizava frequências cardíacas ensandecidas. Era dança.
Eu passando as mãos nos cabelos, ele arrumando os óculos. Falamos do que era antigo. Do tempo em que as cartas eram fechadas com a língua, onde pegar na mão era permitido - e só, e o namoro no portão era uma vitória. Não era época onde coubéssemos, como agora, havendo embarcado para uma viagem com bilhetes instantâneos que não foram preenchidos com destinos.
Algum tempo e já éramos falantes, gesticulando, cheios de luz. Nossas risadas se fundiam, sustenidas. Ele me tomou a mão, dizendo ver miragens, enquanto fazia leitura de tudo que riscava aquele encontro distraído. Sem querer, enquanto trazia minhas mãos de volta, toquei o bolso esquerdo do seu casaco e seu coração pulou entre meus dedos. Se encaixou como se tivesse nascido para estar ali, apesar das asas.
Quando me perguntou o que eu enxergava, não contei do espelho. Disse-lhe uns versos de Bandeira. O coração desse moço tinha o fogo de constelações extintas há milênios. E o risco brevíssimo — que foi? passou — de tantas estrelas cadentes. E era inevitável não notar minha imagem ali dentro, espelhando.
Era verão. Veio o outonoinvernoprimavera. Fomos todas as estações. Brigamos por motivos sérios, motivos bobos, pensamos haver nos perdido para sempre, voltamos, brigamos só para fazer as pazes, paramos de brigar. Passeamos de mãos dadas, abraçados, ensimesmados. Eu andava na frente, ele atrás. Eu corria, ele corria. Sentamos na grama, deitamos na grama para olhar estrelas. Fugimos da chuva, ouvimos suas notas sentados à varanda. Fizemos mimetismos de amor, eu quis lhe fazer surpresas - mas acabava contando tudo antes da hora. Saímos à noite, à tarde, de manhã. Afundei o pé numa poça de lama, ele sorriu. Ele tropeçou na escada, eu sorri. Reclamei da comida, ele reclamou do tempo. Fizemos planos, acordamos em nossos sonhos. Acordamos com sede, atravessamos a casa de madrugada e bebemos belezas sortidas. Escalas. Eusemprefuisódevocêsemprefoisódemim. E viajar.
E quanto delírio me sobra por ter o sorriso desse moço dentro em minha boca. Corações em mãos, naquele fevereiro, e a proposta: ambos ecoando, hoje, no peito que melhor lhes coube. Sem licenças e todos os acordos gravados. Coisa de laços que fixam residências, espalhando aquele cheiro de tudo que ainda vai brotar.
Outro dia, era agosto e naquele bolso esquerdo do casaco que um dia me embrulhou, dobrei um bilhete. Em branco. Quando seus olhos passearam ali, esse moço soube ler meu infinito lhe sendo entregue.
Não descemos do trem. A vida quem leva.
Muito lindoo Jaya. Ele soube ler o seu infinito sendo lhe entregue..!
ResponderExcluirBeijooooos e bom domingo!
Jaya...
ResponderExcluirescreve um livro, pra ter como iluminar meus dias. Pra eu ter um motivo lindo pra desligar a tv e não ver mais novela.
Maravilha isso tudo!
Beijos!
Ah, que lindo. Trançou-se um caminho sem ao menos saber aonde levaria.
ResponderExcluirAdorei.
Beijo.
Que lindo!
ResponderExcluir(Oi, caiu um cisco no meu olho! Licença!)
Hoje não tenho palavras, elas fugiram todas... Só ficou uma: perfeito!
Beijos, moça!
dois sustos.. um do outro, sendo.
ResponderExcluiracho tão linda essa tua vivência
ps: a intenção era essa.. assim como quando os cílios beijaram a bochecha e alguns desejos, não sei quais, realizaram-se.
:*
Infinito... O amor é.
ResponderExcluirO tempo tem que ser também.
E eu o quero pra mim.
Beijo
:*
"A aurora apaga-se,
ResponderExcluirE eu guardo as mais puras lágrimas da aurora."
Bandeira disse. Você completa. Em palavras que superam o meu gosto ao ler você. Vai ser sempre assim?
Esse encontro. Esse encontro. Já vivi, digo. Vivo. E parece tão bonito tanto quanto você descreveu. Ou mais. Dentro da gente, as palavras tem certas belezas. Outras.
Você é bonita.
Menina linda..
ResponderExcluirSe todos entendessem esse infinito, ahh eu me perderia em perguntas só pra não ter as respostas.
O amor só é lindo, quando encontramos alguém que nos transforme no melhor que podemos ser.
Tô na torcida do livro!!
Te beijo!
Verdade, lembra mesmo.
ResponderExcluirCartas de amor, de saudade, chegam a ser clichês... O sentimento é sempre um só e finda unindo todas as suas histórias na semelhança.
É por isso que gosto tanto das cartas. Tão singulares, tão iguais.
Beijo
:*
Jaya, escreve um livro [2]
ResponderExcluirinteressante, como no início, o escate dos tímidos é sempre um sorriso, uma risada; parece que não sabem o quanto de nós transparece numa cara sorridente...
bj bj Jaya
/porfavorpelamordedeustiraessaverificaçãodepalavraséumsaaaaaaco.
bj
Gente [Gábis], um aviso!
ResponderExcluirEu também acho a verificação de palavras um saco imenso. Mas acontece que tenho recebido uns spams via comentários. E o único jeito de bloquear, é esse.
Tiro assim que der.
Atés.
lindo demais!
ResponderExcluirem todos os detalhes perfeito!
bj!
que delícia de viagem, hein?!
ResponderExcluirbeijo
Azul, e brisa.
ResponderExcluirJaya!!
ResponderExcluirTbm me deixou sem muitas palavras... Só sentimentos. E estes a gente nem sempre sabe colocá-los em papel.
MAs... Senti tuo isso. E visualizei cada cena. E ainda me vi em algumas delas. E é incrível quando palavras nos transportam.
Quanto ao Meme que lhe ofereci, não se preocupe. Ofereci a vc, então é seu. E até gostei da "justificativa". Posso até estar enganada, mas acho que vc é carente de razão.
Beijo
Você não é bonita. É linda.
ResponderExcluirViagem linda. Dois sustos que prendem os olhos de qualquer um. Adoro sentir o sorriso crescendo em meu rosto conforme vou descendo a barra de rolagem...
ResponderExcluirBeijaya!!!
Jaya Flor,
ResponderExcluirÀs vezes é apenas preciso embarcar, subir no trem, olhar para o lado. Às vezes é tudo tão simples, está bem ali diante dos olhos numa viagem em fim.
E num susto tudo pode mudar.
Um beijo
não sou triste, mas ainda não encontrei a felicidade que desejo. por isso a minha poesia é feliz, ao menos posso escreve-la assim, mesmo que seja uma joça. mas ainda sim é apenas poesia.
ResponderExcluir"e quanto delírio me sobra por ter o sorriso desse moço dentro em minha boca." (perfeito rânei)
Você escreve MARA!
tebeijobeibe.
Que coisa mais linda de se ler!!!
ResponderExcluirUm verdadeiro delírio
De uns tempos pra cá passei a acompanhar seu blog por intermédio do Na divisa. E tenho me surpreendido cada dia mais com seus textos. São de uma pureza tão doce e ausente de coisas jornalísticas que me deixa ansioso a esperar pelo próximo.
ResponderExcluirParabéns!
Caramba.
ResponderExcluirQue lindo, assim, encantador!
Você escreve muuito, muuito meeesmo *----*
Beeijos
Me deleito nas coisas inevitáveis, ou na maioria delas.
ResponderExcluirMeu silêncio é meu sorriso sério, quase ninguém entende.
Jaya, sempre bela.
No começo, pensei em Beto. Já consigo falar sobre o assunto sem ser "Pensei nele. Ou, pensei em alguém." Não pensei em alguém, não pensei nele. Pensei em Beto.
ResponderExcluir"[...]ele reclamava de não ter coração." - Isso é frase tão típica dele. Tantas vezes escutei isso, praticamente com palavras sinônimas, praticamente igual.
[...]
[...]
[...]
Escrevi mil parágrafos e apaguei. Depois te conto, em OFF. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Ah! Esse aqui também tá na prateleira dos preferidos.
Só pra fazer coro: Escreve um livro, Jayaaaaaaaaaaaaaaaa!
ResponderExcluir=)