E eu bendigo, envergonhado,
Esse amor, avô do meu...
[Manuel Bandeira, em: Cartas de meu avô].
Pode nem parecer para quem olha de fora, mas dentro de mim eu sei: amar você foi a coisa mais linda que eu aprendi assim que me trouxeram para o mundo. São vinte e dois anos, vô. São lembranças verdes. Verdes, do jeitinho que imagino a grama daquela fotografia preto e branco, onde você está deitado numa pose de moço sério. Um moço sério que também pulava o carnaval, naquela cidadezinha, entre fantasias e histórias bobas. Histórias que você traz de longe e faz chegar aos meus ouvidos com um gosto saudoso. Que me faz querer saber mais. Saber de você.
E eu te sei tão bem! Sei do coração que quase nem é teu, de tanto que é da gente. Da festa que faz quando chega, por sempre ter um doce no bolso. Do jeito como sempre me recebe com um sorriso e uma frase engraçada. Da maneira de contar as coisinhas de minha vó e do amor bonito que eu não canso de notar a cada vez que a cozinha se enche com a presença de vocês, ou o modo encantado como se entregam a Deus durante todos os dias, mas principalmente aos domingos. Sei também das reclamações, do jeito ranzinza de alguns instantes, dos sustos. Dos sustos de agora, mais ainda, que deixam meus olhos arregalados. Tão arregalados que, ao te ver imerso no sofá branco, olhando a rua e espiando o livro, sinto o amor te doendo em paz.
Eu gosto mais é de lembrar você com as plantas e daquelas tardes amarelas no meio dos cafezais. Gosto de lembrar dos passarinhos e do periquito quase da família, parte da infância minha e de Gabriel. E do dia em que você chegou com um pintinho verde e um cor de rosa, para cada um de nós. Motivo de alegria por semanas. Gosto de sorrir vendo você dar boa noite aos apresentadores de telejornais. Da maneira como sou recebida quando descobrem que sou neta de seu Arthur. O Tuzim dos seus, menino ainda que sempre será. Gosto quando dizem que você continua forte e que não mudou nada.
E você não mudou mesmo não. É o mesmo moço que chegava da feira aos sábados enquanto eu acabava de acordar e me fazia babar com os biscoitos mais gostosos do mundo. São as melancias que me lambuzavam no quintal, aos domingos. O coquinho quebrado entre conversas. O moço que me fazia cócegas quando eu buscava um afago em seu colo. O mesmo que me servia de boneca, enquanto assistia televisão e me deixava amarrar seus cabelos, enfeitar com laços, e sorria de mim, menina. Que me contava que meu nome ainda estava escrito na minha árvore preferida do antigo sítio. Aquele que dançou comigo a valsa da minha primeira colação de grau. Em círculos, lembra? Eu te amei tanto nesse dia! Você, para mim, vai sempre ser o mesmo moço de cabelos de algodão, que chora quando sente vontade e tenta disfarçar uns olhos vermelhos que não deixam nunca de emocionar. Aí eu inevitavelmente penso: se todos fossem no mundo iguais a você...
Porque é lindo, vô. É lindo caminhar ao teu lado e ver todo mundo te cumprimentar alegre. Ver as crianças te chamando de vô, como aquele dia quando descíamos a rua ao lado. Aquele sorriso banguela que te perguntou cadê meu doce? E a maneira como sorriu ao receber de você uma moeda para comprá-los. Foi linda a maneira como você disse à moça que essa é minha neta. E o jeito como ela me parabenizou falando que ele é muito querido por todo mundo. Lembro dos teus olhos nos meus, nessa hora. Eu gritava um eu te amo urgente. Ainda hoje acho que você entendeu. É um orgulho, vô, é um orgulho ter muito do teu sangue correndo misturado ao meu.
Para agora, eu só quero que você não deixe de caminhar teus dias. Vira essa cidade de cabeça para baixo, com teu corpo gasto de vida. Ainda há tanto a se gastar! Chega com tua sacola nas mãos. Toma teu café de cheiro delicioso, me oferece um biscoitinho, senta ao meu lado no sofá, pergunta sobre minha mãe, minha outra família. Senta comigo na cama também e espalha todas as fotografias que remontam nossos momentos furtados do mundo. Ensina Pedro a soltar o pião, põe no corpo tua túnica e serve a Deus daquele jeito que me fez chorar na Igreja quando te vi pela primeira vez ali. Vai deixando tua imagem bem grudada em cada canto daquela casa que já veste você. Vai tomando meu amor, me dando o teu, assim, desse jeito mudo e explícito. E se faltar alguma coisa, a gente inventa. Vai. Deslumbra esses dias azuis de Conquista, que amanhã eu passo aí para te beijar.
Bença, vô.
Daqui, hoje, todo o meu amor avesso.
Do berço,
Jaya.
Vitória da Conquista, dois de dezembro de dois mil e nove. E uma lua bonita no céu.
Aos que me leem, um beijo. E umas desculpas pela ausência.
ResponderExcluirO céu é muito. A vida, é um não-terminar.
Desço, novamente, em breve. Hoje, só por ele.
Dezembro sempre me pediu silêncio. [E eu sempre fui teimosa].
Você brilha.
ResponderExcluirTinha que ser embaixo dessa lua, que única, clareia o céu e torna o amor suave feito brisa perto do mar.
ResponderExcluirdos olhos, gotas de canela
do coração um suspiro aliviado por saber que no mundo existem seres únicos, embalados no amor.
os cabelos brancos sempre fazem nos sorrir
ResponderExcluirai ai, você.
ResponderExcluirJaya,que saudades daquelas que apertam de seus textos...E que infância linda a tua!!!
ResponderExcluirLindo!
ResponderExcluirDezembros são nostálgicos...
E os cabelos brancos dos vôs e vós me assustam, mas são lindos.
Beijo, Jayaaammmmmm!
Lindo Jaya!
ResponderExcluirBeijos!
estou tão feliz com a sua volta...
ResponderExcluire com os olhos cheios d'água, de imaginar esse vô tão lindo, tão carinhoso...
família é assim, né Jaya?
um bem sem tamanho pra gente...
:D
um abraço apertado!
Me deixou com uma saudade do meu vô, que faz companhia aos anjinhos, lá no céu.
ResponderExcluirMe fez chorar, Jaya.
BeijoBeijo
:*
Eeeeei, vc está em Conquista??? Quando vem aqui em Ilhéus? Mande e-mail, que te mando meus contatos: anabelmasc @ gmail.com
ResponderExcluirBeijooooooo
Quase me fez chorar lembrando do meu vo..que texto lindo!
ResponderExcluirMuito lindo, cada detalhe e lembrança..
Grato, novamente.
ResponderExcluirTenho que dizer, não consigo segurar.
Senti falta dos teus textos em meu peito.
Bjo
Nem consegui esconder as lágrimas que teimam em escorrer pelo canto do olho...
ResponderExcluirMe empresta seu Vô Tuzim um tiquim, Jaya?
Já tava com muita saudade de ler você!
Beijos.
Querida Jaya,
ResponderExcluirLindo seu post. Sensivel demais.
Confesso que chorei lendo ele. Sinto demais a falta do meu vô! Sei que ele está bem do ladinho de Deus, fazendo balanços de pneu pra prender nas estrelas, ou simplesmente torcendo as nuvens pra que a chuva caia bem em cima de mim e da minha irmã, já que amamos tomar banho de chuva.
Me trouxe ótimas recordações.
Bom ter vc de volta!
Beijos,
.Luana.
VOCÊ VOLTOOOOOOOOOOU! \o/ er.
ResponderExcluirtá, agora eu vou ler o texto. JÁ VOLTO. :)
Coisa mais linda do mundo.
ResponderExcluirDeu saudade do meu vô. ):
Quando eu pensei que já tinha lido tudo de lindo no mundo, o acaso me trouxe aqui e eu li essa delicadeza...
ResponderExcluirNão tem palavras pra explicar o que senti...
Só posso dizer: delicioso texto...bebi cada letra!
Já tá nos meus favoritos...
Chorei, mas foi lágrima doce. Lembrou meu avô, violeiro, cantando as músicas "das morena do cabelo de breu" pros anjos.
ResponderExcluirDezembro é um mês gostoso. Fim é sempre melhor que começo.
Beijos, querida.
Jaya com saudade das tuas letras...li e reli textos antigos teus e li o texto " a menina que passa' e eu queria usar uma estrofe dele no meu blog,posso? colocarei teu nome e tal e o linnk do teu blog,indicando que a estrofe é tua.
ResponderExcluirLindo! E amei o blog.
ResponderExcluirÉ muito bom declararmos o nosso amor a quem amamos.
ResponderExcluirCadinho RoCo
que lindo.
ResponderExcluirparabéns pelo livro, moça (:
de novo, rs.
tu és encantadora, merece!
um xêro.