De todo o amor que eu tenho
metade foi tu que me deu.
[Dona Cila - Maria Gadu]
Fui a primeira a te chamar de vó. O teu colo foi
primeiro meu, depois de ter sido antes de meu pai e de tia Ju. Todos os que
vieram nos anos seguintes, ansiosos pelos teus carinhos, tiveram que se adaptar
à forma que criei enquanto me esquecia nos teus braços. Nos teus abraços. Nos
teus olhos azuis que ainda hoje carregam todo o infinito que aprendi a enxergar. Tudo o que mora dentro de você não acaba, nem vai nunca acabar, porque
se derramou na gente, que te prolonga.
Em alguns momentos da minha vida, alguns deles
muito importantes, eu só me senti completamente segura e protegida porque sabia da
certeza do teu amor. Do teu zelo. Do teu cuidado. Do teu jeito tão natural e
doce de me fazer sentir a pessoa mais importante de todas. Quando o medo era
maior do que toda a minha coragem, era em você, sempre, em quem eu me abrigava
para me proteger do mundo. Ao seu lado sempre existiu um mundo à parte. Um
mundo de você, tão Alice que é, mas sem as fantasias de um mundo inventado. Ao
seu lado, o mundo é seu e de seu Arthur e a gente cabe muito bem ali dentro,
como se a vida inteira vocês tivessem preparado tudo só para receber a mim – e a
Gabriel, Daniel, Carol, Pedro e Amanda.
Você foi/é minha segunda mãe. Em alguns
momentos, tão mãe e responsável por mim que inúmeras vezes fez o papel da
primeira – e eu nunca vi alguém se sentir tão confortável dentro desse papel.
Isso porque eu tenho essa certeza muito exata de que a cada vez que um de nós
nascia, nascia em você mais um coração. É nessa coleção de sentimentos que eu
aprendi a me espelhar. Você é um verdadeiro bordado das coisas mais lindas que já
permitiram a uma pessoa sentir. E você sente. Pela gente. E se agora eu escrevo
cheia de lágrimas nos olhos, é porque não sei te ofertar nada que seja
diferente disso. De todo o amor que existe em mim, metade certamente veio de
você. A metade mais bonita, talvez. Eu amo você tão lindo, vó, que é impossível
desenhar. Por isso escrevo.
Esses dias, vendo fotografias do passado tão menino e
distante, mas que ao mesmo tempo parece tão atual, notei que, mais do que
qualquer outra pessoa que me acompanhou até aqui, a presença mais constante
sempre foi a tua. Mesmo nos anos onde morei fora, com todas as tuas cartas,
todas as tuas lembranças, todas as tuas palavras que me chegavam e me faziam
forte, maior, melhor. Tudo o que veio de você para mim, sempre, chegava em
forma de fôlego. Era e continua sendo mais tranquilo e leve respirar sabendo
que em qualquer lugar do mundo que eu esteja, existe você em outro ponto. Existe você há oitenta anos, quase oitenta e um, e mesmo nos anos onde eu ainda não era, sinto que já estava em você.
Todo mundo que me conhece, conhece você de alguma
maneira. Porque em muitas das minhas conversas existe o trecho: a minha vó Alice... Porque é o que me
compõe. Eu sempre fui partitura para aprender a assimilar todas as tuas notas.
O que sempre toca quando me lembro de você é isso: música. Porque você é a
vó mais inteligente que existe. Mais esperta. Mais bonita. Mais engraçada. Mais
implicante. Mais emocionada. Mais doada. Mais colocando sempre as necessidades
de todo mundo em primeiro lugar. Mais companheira para chorar de rir enquanto
joga baralho e rouba sem saber disfarçar. Mais jovem – na mente, na alma, nas
reinvenções, nas aceitações. Mais narradora para contar histórias e levar a
gente a um tempo onde não existíamos mas queríamos ter presenciado para
conhecer mais de você. Mais controlando as coisas que vovô Arthur come. Mais
agradando a gente na cozinha. Mais rápida em aprender a usar o whatsapp e fazer a gente ver que não tem
graça nenhuma um dia onde se acorda e não tem mensagem sua para ler. Para
sorrir. Porque ter um pouco de você, em qualquer canto, em qualquer lugar, não
é nunca muito. Pode ser sempre mais.
E aí eu fico aqui, fechando os olhos, lembrando, vendo teus olhos em cima dos meus... Viro menina outra vez. Enxergo
meus cachos soltos, minhas mãos cheias de anéis, minha bota, minhas poses para
fotografias, minhas imitações de Xuxa, minha alfabetização, meu braço com gesso
verde, seus sucos cor de rosa, as saladas de frutas, o Ponto de Encontro, eu
dormindo na sua cama, no meu cantinho, abraçada a você, ouvindo sua voz me
contando histórias, nós duas rezando o Pai
Nosso. Você me ensinou a acreditar. A ter fé. A sentir orgulho de toda a
sua história, seus caminhos, suas conquistas, suas dificuldades que nos trouxeram
até aqui. Você me faz querer dar um sentido muito importante e especial à minha
própria vida, para poder, quem sabe um dia, ter uma neta tão besta por mim como
eu sou por você.
Sei que na nossa família os sentimentos ficam
muito guardados, raramente são ditos, falados. Mas a gente sente. Enxerga nos olhos, nos gestos. A cada vez que você me liga e eu atendo dizendo:
oi, amigaaaa! Ou quando eu te ligo e
você me diz: ah, lembrou que tem vó, foi?
E a gente se fala praticamente todo dia. E dá risada. E conversa sobre
tudo. E eu fiquei lembrando agora que, para mim, uma das cenas mais bonitas é
te ver tirando os óculos para secar as lágrimas de tanta risada dada com nossas
besteiras de sempre.
Aqui tem amor num tanto, vó. Tu nem imagina! Amo de um jeito que
eu ensaiei esse texto há anos, mas sempre achava tudo muito pouco e evitava
gravar no papel. Pensava: como pode caber
vovó Alice em palavras? Mas aí eu resolvi hoje pelo menos tentar mostrar o
quanto você é – porque é muito, extremamente necessário que você saiba disso. O
tanto que representa. O quanto me orgulho em ser a neta da professora Alice. Linda,
como só ela sabe ser. Linda de um jeito tão arraigado nela inteira, que de vez
em quando parece que nem existe.
Se alguém me perguntar um dia qual o maior
presente que já recebi, eu direi, carregando um orgulho muito poderoso: a vida.
Ter nascido dentro da minha família. Ter nascido neta de Dona Alice. A Licinha, dos seus.
Amo você do berço,
Jaya.
Salvador, 9 de dezembro de 2016, uma tarde amarela
de céu azul.
Li de novo, chorei de novo. E acho que vai ser assim pra sempre.
ResponderExcluirJaya,
Eu acho que nunca te falei isso, mas acho a coisa mais linda do mundo sua relação com seus avós. É uma coisa que admiro há muito tempo. Sua dedicação, seu cuidado, seu amor em tudo o que faz por eles e para eles. Sua vontade de estar sempre perto, de acompanhar. É a coisa mais linda esse amor todo.
Eu sinto que conheço sua vó Alice de tanto que tem dela em você e nas nossas conversas. De tanto que ela faz parte de tudo. E foi assim que eu entendi você ser assim, você. Sabe? Feita de amor da cabeça aos pés. E foi assim que eu conheci o amor que você foi moldada. Da maneira mais doce e linda do mundo. E isso faz toda a diferença.
Texto lindo, nega. Palavras lindas, vó linda, vida linda, amor lindo.
Vocês duas, lindas.
Ainda bem que você escreve! Ainda bem que você escreveu hoje!
Um monte de beijos,
Ty.
Que coisa mais linda. Terminei de ler com os olhos marejados.
ResponderExcluirTem tanta ternura nesse texto que transborda pro coração da gente.
E eu tô aqui, cá nas Minas Gerais, agradecendo a Deus pela vida de Vó Alice.
Que esse amor de vocês inspire muitos outros amores. Que haja tanto. Sempre.
Um xêro!
Wendel
Tem um balde aqui do lado pra deixar encher de minhas lágrimas.
ResponderExcluirJaya, saudade de manter contato.
Um beijo meu em tu, visse.
Lindo, lindíssimo! Seu dom com as palavras é palpável; as palavras saltam de onde foram escritas e como que nos abraçam. O abraço da vovó Alice, talvez?
ResponderExcluirBeijos e boa semana para você!
Minha avó é a coisinha mais fofa desse mundo. E eu não podia ler isso sem sair completamente emocionada. Elas são demais, né?! Que amor grandão por elas, que vem delas.
ResponderExcluirLindissimo texto.
E sabia que pra tinha uma vovó linda assim por trás dessa Jaya de poesia.
Beijo!
Que texto incrível. Não consigo encontrar palavra.
ResponderExcluirQuero te abraçar <3
Beijo profundo
e abraço permanente!
Nada melhor que um amor de vó!
ResponderExcluirA minha tem oitenta e tantos anos e me identifiquei com algumas frases que você escreveu. ♥
Beijos
Ai, minha amiga. Voltei aqui pra beber um pouquinho da tua poesia, porque a vida me bateu com força e eu ainda tô sem saber como continuar. Perdi a minha avó há 12 dias. A minha vozinha, Dona Maria, se foi num susto, num repente. Ainda ontem ela tava aqui. Dói uma dor de existir, Jaya, uma dor sem remédio. Parece um buraco que vai aumentando e engolindo tudo...
ResponderExcluir