De onde eu vim
Não tem mar
Onde eu vim
parar?
Atraquei
Nesse cais
Por amor
demais.
[Cais – Mallu Magalhães]
A Bahia nasceu para
começar o Brasil e o nosso amor. Um país inteiro se fez ao redor de onde
brotamos: você, na cidade onde o sol mais ofusca; eu, na serra onde o
frio é mais intenso. Na mistura de climas, desembarcamos os dois em Salvador,
completamente tropical, belamente Tropicália,
só para colher o que Portugal mal sabia haver plantado: um bem-querer tão bonito
assim.
Tudo o que aqui
nasce, São Salvador abençoa para que cresça. São, no lirismo do cantador, trezentas e sessenta e cinco
Igrejas, uma para abrir caminho a cada dia do ano – todas juntas para iluminar
os passos que damos pelas ruas de uma área minuciosamente aquarelada, naturalmente
observada pelos olhos de Oxum, mãe de tudo o que sorri em suas estradas. No
sincretismo infinito de todas as coisas do mundo, nessa cidade o que transborda é sentimento. E a gente sente.
Numa mesa boêmia do
Rio Vermelho, entre cervejas, acarajés, e a história que Jorge e Zélia contam ainda
hoje ali sentados, Iemanjá costurava, do outro lado da rua, na Praia da
Paciência, os primeiros pontos firmes de todos os enleios que se alinhavam dentro de nós.
O Largo de Santana nunca foi tão cheio de graça. Era um céu escandaloso, do
jeito que a Bahia mais gosta de ostentar. Anoitecemos ali, os dois, fazendo
muito sol. Salvador precisou que eu deixasse minha alma andar descalça em suas
terras de ariana intensa e louca para me presentear com as maiores doçuras que
desejei a vida inteira. Novembro, feriado nacional, a colônia de pescadores
havia decidido soltar no mar uma paixão cheia de vontades.
Em meio a tantas
novidades morando em seus olhos, eu me entregava a você e me desmontava pelas
curvas das esquinas, cambaleando, muito leve. Subimos o Lacerda e, já ao pisar
naquelas pedras, senti o peito pulsar em todas as minhas veias. Estávamos no
Coração da Cidade. Da minha serra cinza, sertaneja, de falas
amenas e rostos desbotados, foi impossível não contrastar. Foi ali, no Pelourinho, que todos os meus pelos acordaram para
ver de perto o que corria lindo entre os temperos de uma cidade inquieta. Com a
mão enrolada na sua, senti uns formigamentos de ternura acordando minha pele, a
cada passo dado naquelas ladeiras. Quando o Olodum saiu de casa com seus
tambores, trovejando cantos do meu corpo que eu nem sabia existir, nas suas janelas abertas já moravam descompassos que se afinavam junto a toda a poesia das mobílias que eu queria guardar dentro em você. E guardei. Uma energia muito bem-vinda nos impregnou. Ali, então, em meio a todo aquele axé, há quatro anos, eu amei você.
Amei você depois, no Farol, com a Barra toda maquiada e meu coração sentindo um calor afável por estar enovelado ao teu. Amei você no saguão do aeroporto, no desembarque da rodoviária, com tanto abraço, tanto aperto, tanta urgência. Eu amei você enquanto andávamos por Itapuã e decorávamos os nomes bucólicos de suas ruas, quando ainda ali vimos Caymmi e Vinicius eternizados, quando nos beijamos em cima de suas pedras. Eu amei você ao observar o pôr do Sol no Solar do Unhão, quando o sol engravidava o mar de um jeito tão gentil e cinematográfico. Amei você em cada um dos acordes que a JAM tocou no MAM, enquanto tudo em mim já era completamente teu. Amei você enfrentando uma fila imensa só para tomarmos aquele sorvete famoso da Ribeira, porque a paisagem era muito bem desenhada. Amei você no Bonfim, quando amarrei aquela medida azul e desejei, em cada um
dos nós, a sorte de um amor tranquilo, como o poeta desejou um dia. Amei você
pela orla inteira, indo e voltando, voando. Amei você no Campo Grande, na Praça Castro Alves e mais ainda no
Teatro, quando a Concha nos permitiu ser partitura um do outro. Amei você no carnaval,
quando as marchinhas antigas tocadas por todos aqueles cabelos de algodão nos
presentearam com um pouco do ontem em meio a tanto hoje. Amei porque era você. Eu amo você:
na cidade toda e em todas as cidades.
Não sabia que havia uma igreja para cada dia do ano. Mas sempre senti a energia que cada nascer do sol despeja sobre nós, tanto que ele, o sol, fica necessitado de descanso e se põe.
ResponderExcluirKkkkk. Eu ia escrever um texto comentando o seu. Na empolgação que cheguei aqui ao concluir a leitura daquilo que pulsa em mim. Consegui me conter a tempo.
Salvador é o cais que fez desaparecer mais de 7.000 quilômetros de distância e diversos anos de preparo para me tornar o maior pirata de todos os mares.
Acostumado a resolver tudo com a espada em punho, abrir as portas com os pés, rasgar os meus livros e sair sem dar tchau.
Recebi de Salvador, com a mão estendida, um sorriso no rosto, segurando um livro aberto... Você.
Você com a voz suave, os olhos brilhantes, os lábios doces, um cheiro de fruta madura, me fazendo relembrar dos tempos em que a bandeira do meu navio não tinha uma caveira.
Você me chamando para invadir a cidade sem saquear, me convidando para ouvir os poetas que não cantavam as minhas histórias, me arrastando pelas ruas e acordando aquelas vozes que só se pode ouvir com o coração.
As pedras no meu caminho se fizeram ruas, para que pudéssemos passear e dançar, olhar o céu, o sol, o mar... O mar que tanto naveguei e conquistei aterrorizando.
Dispensei a minha tripulação, deixei-os nomear outro capitão, vi o meu navio partir, desaparecer na linha do horizonte enquanto você segurava a minha mão.
Se passaram 221 quintas-feiras, a minha bússola quebrou, não sei mais desenhar uma rota, hoje os meus planos não são mais de fuga e o meu coração não é do mar. Ele é seu, todo seu. Cada batida, cada movimento, todos os impulsos, são seus.
Eu amo você!!!
Que texto lindo.
ResponderExcluirEu já visitei a Bahia duas vezes e deu uma saudade de clima alegre e das praias lindas.
Eu carrego um orgulho meio besta de ter estado colada com vocês logo no comecinho. De ter estado com os dois pelas ruas de Salvador, pelos bares do Rio Vermelho. De estar com vocês quando Arnaldo cantou "Até o fim" e eu nunca vi uma música fazer tanto sentido. De ouvir Victor me dizer "eu não sabia que seria assim." De notar um amor bonito nascendo, os olhos brilhando um para o outro, de acompanhar as mãos coladas, os dois melados.
ResponderExcluirEu fui lendo esse texto e me lembrando de todas essas coisas bonitas. O amor de vocês é amor mais bonito que eu já vi. E eu fico é toda feliz de te ver vivendo um amor assim, que te continua. Só podia mesmo ter nascido em Salvador, nessa cidade que brilha.
Que São Salvador e os orixás todos continuem abençoando.
Abraço os dois. Sempre.
Jaya
ResponderExcluirAmei, tanto mais vou escrevendo no meu blog BRASIL - SORRISO DE DEUS, que procura reportar a história da colonização, tendo já passado por Bahia e Salvador.
Agradeço que veja, por favor, leia e comente BRASIL - O SORRISO DE DEUS.
Florianóplis - Floripa
http://amornaguerra.blogspot.pt/
Jaya minha "frÔ" de alegria,
ResponderExcluirEu sou louca pra conhecer a Bahia e ainda não deu.
Pude passear pelas tuas letras e sentir que a poesia da Bahia esta
exatamente nas linhas da poetisa.
Não abandone seu canto...
Pingue poesia pelos seus dedos, você é the best.
Suma não viu,
Beijos dessa carioca que te admira de montão.
Uau, que texto lindo com tantas referências de Salvador! Amei!
ResponderExcluirO amor é tão apaixonante quanto a cidade nas suas palavras.
Obrigada pelo seu comentário carinhoso no meu blog recentemente. Atualizei agora com mais algumas questões sobre simplicidade rs
Bjs!
Que maravilha esse passeio por Salvador!
ResponderExcluirGratidão pela tua prosa-poesia que nos faz viajar.
Te abraço.
Daquelas prosas bonitas de conseguir ouvir até o som do mar.
ResponderExcluirUm beijo moça.