Tem também as estações do ano. As estações, Maria, são maneiras que o mundo
encontrou de transmitir suas emoções. Ninguém é a mesma coisa o tempo inteiro,
ainda bem. Os sentimentos são esses negocinhos flutuantes assim, que moram dentro
de tudo o que está. O mundo sente. É quando os dias ficam bem diferentes do
que estavam sendo e um novo cenário aparece pra gente viver nossas histórias. É
quase igual a um teatro, só que pra valer: na vida de verdade a gente é quem
tem que se adaptar às mudanças que o mundo traz. No teatro é tudo ensaiadinho
para acontecer quando a novidade chega, mas na vida... Na vida não dá tempo de atuar,
então a gente vai sendo quem a gente é, improvisando com alguma falta de jeito
e vendo tudo se acertar sem hora marcada. Na vida nenhuma atuação dura
muito, pois o mais importante é a espontaneidade diante das alternâncias. Então
se algum dia você pisar num palco, menininha, e não conseguir ver brilhar ao
redor a verdade que os olhos devem ter, entenda que esse roteiro não foi feito
para caber a sua aventura. Cada um é dono do seu próprio espetáculo, então não faça
testes para se adaptar ao romance de ninguém. Escreva (e seja) sua própria
poesia.
Agora mesmo estamos no Verão e o Sol passa a
ser muito comentado, como se fosse o protagonista – e acaba mesmo é sendo. No Verão a
gente enxerga muita coisa e às vezes quase nada, porque nesse período o Sol
disputa com todas as outras belezas do mundo e resolve cintilar de um jeito tão
intenso que ofusca todos os olhinhos muito doces como os teus. Aqui onde estou, Maria, todo fim de tarde as pessoas fazem canções
de ninar só para ver o Sol ir dormir. Daí então ele vai descendo devagarinho pelas nuvens
até cair dentro do mar: sendo ele muito quente, também precisa se refrescar
um tiquinho assim. O caminho é bem bonito, vou te mostrar. O céu fica de várias cores
que não têm nome e que só quem tem o coração muito atento consegue ver. Quando dorme, o Sol não acorda até chegar o outro dia, porque a gente fica mesmo bem cansado depois de enfeitar vários lugares ao mesmo tempo, dá um trabalho danado. Sem o Sol, nada amanhece. Imagina a correria, iluminar tudo o que existe! Mas ele sempre chega a tempo. Quanto a você, continue sendo luz que irá reverberar por aí sem precisar explicar nada, basta preencher - é uma das lições dessa estação. Por aqui o ano começa bem desse jeitinho, ensinando todo mundo a ser estrela. O Verão é a estação do Sol, Maria. Todo amarelim. E o encontro preferido é a praia: quando o Sol junta mais o Mar,
nossa! Você precisa ver a quantidade de gente que aparece pra fazer parte dessa
fábula. Faça também, menininha. Sol e Sal e tudo vai se benzendo e iluminando
para o que vier. Coloque amor que não tem erro, Maria.
Depois do Verão vem o Outono. É uma estação de
transição, Maria, a minha preferida. Sabe quando a gente quer muito voar mas
ainda não virou borboleta e é apenas uma lagartinha no casulo? Transição
é isso. É quando precisa haver tempo para chegarmos onde queremos. É uma estação
inteirinha de aprendizado, quando as horas ficam calminhas, num tom sépia, como se tudo
fotografasse um pouquinho desbotado, pras vistas demorarem em cima do que a gente
quiser, sem nenhuma pressa. As folhas
das árvores caem e fazem um tapete todo desenhado no chão dos parques, parece
faz de conta. Todo o calor do Verão vai dando espaço a um ventinho mais ameno e
o Sol já não é tão protagonista assim: agora ele aparece menos, como se pedisse
um pouquinho de férias, chamando a Lua e as Estrelas para dividirem com ele os
holofotes. No Outono, Maria, os dias ficam mais curtos e as noites mais
extensas. Vai ver por isso é uma estação onde os poemas são mais suaves: dá
tempo de sonhar devagarzinho. Outono é temporada de plantar o que vai
nascer daqui a pouco. De deixar enraizar tudo o que é muito feliz e ver brotar
um montão de sorrisos na próxima etapa. E se você semear uma série de coisinhas
mansas, Maria, vai colher carinho a perder de vista.
Daí então chega o Inverno. É a estação mais diferente
de todas. Para passar pelo Inverno, meu bem, é preciso ter escolhido direitinho
o que trazer de todas as estações anteriores a ele. Dessa vez o protagonista é
o frio. O Sol disputa por algumas horas, mas acaba perdendo o posto para o
vento gelado. Na maior parte desse período, o céu fica cinza. E chove. É
importante chover todas as dores, porque só assim a cura fica mais próxima. O mundo,
assim como a gente, também precisa remendar seus cortes. No Inverno a gente
aprende a escolher direitinho com o que/quem vai seguir de mãos dadas nos próximos dias.
As cores mais ansiosas saem um pouco para passear e encontrar novas misturas para
a estação que virá depois, daí a aquarela fica meio vazia de opções. O bom
disso tudo é que a gente pode pintar como quiser, Maria. Fora que é esse o
momento onde os afagos e canduras são mais bem-vindos. Tudo o que fizer ficar
quentinho acaba sendo casa. Você, por exemplo, é uma casinha tão aconchegante
que eu já me mudei aí pra dentro desde que nos abraçamos pela primeira vez. Seu
coração aquece tudo o que mundo insistir em congelar, Mariazinha.
Quando o Inverno acaba, a Primavera se anuncia. Às vezes parece até que a gente nasceu só pra namorá-la. Só entende sobre florir quem consegue ser flor, assim, que nem você. Na emoção desse horizonte, mesmo na vida de verdade, lembra às vezes coisa encenada.
Na Primavera o chão resolve entrar no conto e faz brotar um jardim em
qualquer canto onde respingou um pouquinho distraído de mágica. É quando a
gente consegue colher todo aquele carinho que semeou no Outono, lembra? A
Primavera é uma escola que ensina que na vida, Maria, tudo pode ficar feliz no
final. Se fazemos nossa parte, se espalhamos o bem, se colamos um esparadrapo
de esperança nos arranhões que o mundo faz pelo caminho, o cenário muda num
piscar de olhos: todas as novas emoções de encanto que estavam ali guardadas
dentro da gente, doidinhas pra brincar, acontecem. E sorriem. A Primavera
suporta o Inverno em silêncio, vai cuidando da sua estreia sem chamar muita
atenção. É nos bastidores que tudo vai sendo criado antes que se permita que a
plateia tenha acesso aos poeminhas. Então a Primavera rega todas as suas flores com
as chuvas do Inverno, firma as raízes de tudo o que precisa muito germinar e
ainda guarda de presente um perfume que só vai sentir quem estiver lá. Você
consegue entender, Mariazinha? É o universo ensinando. Quando a vida vai
acontecendo, ela pode acontecer baixinho: todo o maior mistério do que somos
corre é pelas veias, todos os percursos dão na mesma direção. O coração. O que a gente
constrói aqui, pequena, diz respeito ao que faz florir dentro de nós mesmos,
mais nada. Se a vida atropelar, Maria, se as cores desaparecerem por algumas
noites longas, se chover muito dentro de você, pode continuar acreditando: é só
mais um Inverno. A Primavera chega em seguida, mostrando que tudo o que renasce
é ainda mais doce do que aquilo que já foi. E daí então a gente recomeça tudo
outra vez.
Não esqueça, minha Maria: é muito
importante que aprendamos a passar pela vida observando também as emoções do
mundo. É na natureza que tudo é natural. Se espelharmos suas vivências, a
liberdade de sermos e sentirmos tudo o que somos vira poesia. Todas as estações
moram no que você é. Nada mais natural do que vigiar a vida ensinando a
(sobre)viver. Meça sua história com uma régua infinita e vista o que qualquer
passarinho azulzim te entregar. Se eles sempre cantam o que estão falando, não
podem estar errados sobre nada. Música é acerto. Você, minha certeza.
Jaya, você é sempre muito intensa. Quando leio os teus textos, me parece que você ficou por uma década juntando, de pedacinho em pedacinho, frases perfeitas. E assim você constrói verdades que doem, emocionam, tapas na cara...
ResponderExcluirSomos estações, humanamente naturais, nos esvaímos pela loucura da constante oscilação! Muito bom.
Um abraço a você, pela poesia e pela natureza!
Ei moça, você sempre me emociona...
ResponderExcluirUm trem parando breve em cada estação.
Quero a chuva e o sol.A razão e a emoção,
o escuro e o farol,as folhas e as flores.
Quero sua poesia em qualquer estação.
Quero um viveiro de esperanças,com brotos
alimentados pelos sonhos.
Beijos meus daqui
eu me atrasei pra ler esse. tentei várias vezes, mas acho que eu não estava preparada. consegui hoje, dia dois de fevereiro.
ResponderExcluirE vou te contar que chorei no parágrafo do inverno quando me senti muito "Maria". Quando senti como se você estivesse dizendo tudo isso aí pra mim. Me vi lá em 2012, mais precisamente nessa foto: [https://www.facebook.com/photo.php?fbid=447630008633657&set=a.447626818633976&type=3&theater] quando li: "você, por exemplo, é uma casinha tão aconchegante que eu já me mudei aí pra dentro desde que nos abraçamos pela primeira vez."
"Nosso amor concretizou-se no primeiro abraço", você me disse. É casa desde então. Mudamos tanto desde aquele abraço, né? Ainda bem. E o melhor de tudo é sentir e saber que nossa amizade é mais forte e necessária a cada estação.
Obrigada por estar presente em todas as mudanças até aqui. Obrigada por ser casa por todo esse tempo. Por estarmos juntas quando a gente embola tudo e acaba sendo inferno bem no meio do verão.
Eu tô só um pouquinho nostálgica hoje. Acho que é porque dormi agarradinha com meus meninos (você vai entender). Hahaha <3
Te abraço em todas as estações,
Thayana.
Aff...meu Deus, que texto maravilhoso! Outono sempre a minha estação preferida!
ResponderExcluirEstou lendo esse texto no metrô do Rio e só queria te contar que estou aos prantos. Eu simplesmente não encontro palavras pra traduzir o que senti com ele
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