Nunca escrevi como profissão. Nunca tive prazos para publicar textos como parte do meu cotidiano. Escrever sempre foi um respiro e me acontece, continuadamente, num processo muito natural. Não tenho pautas a serem cumpridas: o tema corre para as pontas dos dedos a depender do que meu peito sente naquele momento. Às vezes sento para começar a compor algo que tenho inteiro pronto na mente, mas durante a redação desenvolve-se delicadamente mutável. Às vezes me proponho uma rotina e consigo aplicá-la torcendo palavras com muito esforço, uma vez que aprendi a não depender da inspiração. Começar um texto é quase como tentar acertar o buraquinho da agulha: quando a primeira frase consegue atravessar, dando o tom dos passos seguintes, o bordado de palavras dança. É como segurar nas mãos da coragem para atravessar uma ponte muito alta: concentra-se no caminhar. Transposta, basta sentar e apreciar o encontro. Escrever é travessia.
Também às vezes, escrevo o que me pesa. Outras vezes, o que me acende. E apesar de me colocar em cada letra que pinto, mais de noventa por cento do que escorre é fictício. Porque escrever é principalmente trilhar novos caminhos a cada parágrafo, ainda que todo eles acabem tendo como bússola o mesmo coração.
Há alguns anos a distração da escrita ficou um pouco mais séria. Acabei dentro de um livro, preenchido inteiro com palavras minhas, evento que nunca sonhei ou imaginei ser capaz de, mas que quando dei por mim, já estava sendo. Foi um susto que aos poucos começou a me assombrar. Com o exemplar em mãos, não conseguia reler. Passei a duvidar das minhas análises que atingiam níveis agora ilógicos de perfeccionismo, de modo que os dias passavam e a tela em branco do computador era evitada. Durante longos anos, produzi um texto para cada ano. Inventava desculpas para não tocar nesse inevitável embate comigo mesma. Acontece que, quando a escrita nasce na gente — pode até haver alguma briga—, a reconciliação é inevitável.
Voltei a escrever. Nos últimos meses, sem preocupações ou rituais. Solto as palavras para, em seguida, num exercício passionalmente artesanal, lapidar parágrafos, aparar arestas, embalar tudo com essa preciosidade de quem se vê entregando parte do que se é. Com muito barulho ao redor ou no mais profundo silêncio. A necessidade de esvaziar-se é poderosa — ao mesmo tempo preencho-me de mim mesma. Nada mais corajoso que escrever (-se).
A palavra sempre me terapeuta.
às vezes escrevo o que pesa; às vezes, o que me acende. Lindo e verdadeiro
ResponderExcluir"Acontece que, quando a escrita nasce na gente (...) a reconciliação é inevitável."
ResponderExcluirMuito verdadeiro isso.